Boletim CCBJ

A Câmara de Comércio Brasileira no Japão envia boletim eletrônico mensalmente aos associados. Na edição de fevereiro, o artigo foi escrito pela presidente do Centro Nipo-Brasileiro de Oizumi, Shoko Takano (foto). Ela analisou a trajetória da presença da comunidade brasileira no Japão e o ensino da língua portuguesa.

 

Mensagem para 30 anos da Comunidade Brasileira no Japão:

Não se deve desistir de aprender dois idiomas

Shoko Takano,

Presidente do Centro Nipo-Brasileiro de Oizumi

Em 2020, completam-se 30 anos desde que entrou em vigor a nova Lei da Imigração do Japão, em 1990. Há 30 anos, eu comecei a morar em Oizumi, na província de Gunma, que hoje é conhecida como “Brazilian Town”. Relembrando todo esse período marcado por tantos acontecimentos, sinto que o tempo passou rapidamente. Em abril de 2019, houve uma outra reforma da Lei da Imigração, e em junho do mesmo ano, foi promulgada a Lei de Promoção do Ensino da Língua Japonesa, tornando o país cada vez mais aberto à entrada de cidadãos estrangeiros. Neste artigo, gostaria de relembrar a história dos 30 anos  da presença da comunidade brasileira no Japão, dando enfoque maior à questão da educação das crianças brasileiras, que são protagonistas do futuro da comunidade local e do Japão, com base na minha própria experiência de 25 anos nessa área.

A população brasileira no Japão vinha crescendo até atingir o pico, com mais de 300 mil habitantes, antes da crise mundial de 2008, desencadeada pela quebra do banco Lehman Brothers. A vinda em massa dos descendentes de japoneses do Brasil em busca de oportunidades passou a ser chamada de fenômeno dekassegui. E essa palavra de origem japonesa, que significa trabalhador migrante, já é de uso na língua portuguesa. A entrada repentina de grande número de brasileiros no Japão causou transtornos nas escolas, prefeituras e nas sociedades locais. Naquela época, o objetivo principal da maioria das famílias brasileiras era juntar dinheiro e voltar ao Brasil o mais rápido possível, deixando de priorizar a educação das crianças. Muitos pais nem tiveram oportunidade de aprender japonês devido à longa jornada de trabalho e outros fatores. Em meio a esse cenário aconteceu a crise econômica, obrigando muitos brasileiros a retornarem ao seu país de origem. A partir de 2016, a falta de mão de obra no mercado japonês e a crise no Brasil começaram a trazer de volta os brasileiros. Hoje, dentre mais de 200 mil residentes no Japão (mês de referência: junho de 2019), cerca de 60% deles têm visto permanente, e aqueles que vieram pequenos ou nasceram aqui já cresceram e se tornaram pais.

 

Barreiras para aprender japonês

A escola brasileira Nippaku Gakuen, fundada em Oizumi, em 1996, nasceu a partir do curso de japonês para trabalhadores brasileiros que criamos ao perceber a necessidade deles de aprender o idioma. Um dos fatores que nos motivou a montar essa escola foi o pedido dos pais que planejavam retornar ao Brasil e queriam que os filhos aprendessem o português. Entre altos e baixos, a escola hoje atende cerca de 120 alunos matriculados, desde a educação infantil até o ensino médio. A Nippaku Gakuen é uma instituição educacional reconhecida pelo governo brasileiro, na qual as aulas são lecionadas em português. Além disso, reabrimos há alguns anos o curso de português como língua de herança, direcionado às crianças brasileiras que estudam em escolas japonesas. Esse curso havia sido desativado temporariamente devido à falta de alunos e verba. A nossa intenção era de tornar as crianças bilíngues, mas logo descobrimos que o maior desafio delas era de aprender o idioma japonês para se sentirem autoconfiantes e capazes de acompanhar as aulas nas escolas japonesas. Essa realidade nas escolas japonesas, que possuem três décadas de experiência com crianças de origem estrangeira, mostra o quanto é difícil ensinar japonês para elas.

 

As escolas japonesas, localizadas nas regiões que abrigam grande concentração de brasileiros, vêm desenvolvendo ambiente cada vez mais adaptado para crianças brasileiras estudarem, com avisos em português nas paredes, livros em português na biblioteca, tradutores e assistentes com conhecimento de língua portuguesa. O problema do bullying nas escolas ainda existe, mas hoje há mais colegas japoneses que não estranham a presença de alunos brasileiros na sala de aula. Por outro lado, é cada vez maior a diferença do nível de atendimento para crianças estrangeiras entre as escolas. A diversificação das nacionalidades dos menores estrangeiros no Japão e das línguas maternas deles avançou rapidamente nas últimas três décadas, obrigando as escolas públicas a enfrentarem novas dificuldades e buscar soluções para elas.

Que tipo de orientação e ajuda devemos dar para famílias brasileiras preocupadas com a educação dos filhos? Como podemos desenvolver os aspectos positivos das crianças brasileiras e o que podemos fazer para que elas tenham autoconfiança para viver no Japão, no Brasil ou em qualquer outro lugar do mundo? Em meio a dúvidas e incertezas, tenho um princípio básico que valorizo: os alunos devem aprender tanto o japonês quanto o português.

Valorização do ensino de português como língua de herança

Na Nippaku Gakuen, as aulas são lecionadas em português, mas o nosso grande diferencial é o ensino da língua japonesa, tradição mantida desde o início da história da escola com o objetivo de formar jovens capazes de seguir carreira profissional na sociedade japonesa caso eles optassem continuar vivendo no Japão futuramente. Como resultado disso, alguns dos nossos alunos conseguem vagas em universidades japonesas anualmente, graças a apoio de muitos colaboradores. O conhecimento da língua japonesa, assim como o da portuguesa, servirá como um recurso para explorar oportunidades no futuro.

Na comunidade brasileira, há muitas famílias que enfrentam problema de comunicação entre pais e filhos, que não sabem falar japonês ou português, respectivamente. É uma situação lamentável e triste aos brasileiros, que valorizam tanto a família. E a perda de oportunidade das crianças de aprender o português para se tornarem bilíngues é um grande prejuízo também para a sociedade. Para essas crianças, valorizar suas raízes e ter orgulho delas é importante para desenvolver seus talentos e encontrar um espaço dentro da sociedade. E a língua portuguesa tem um grande potencial, por ser um idioma falado não apenas no Brasil, mas também em alguns países africanos promissores como Angola e Moçambique. Além disso, o conhecimento de português ajuda a aprender outras línguas ocidentais como espanhol e italiano.

Hoje, a segunda geração da comunidade brasileira no Japão já conta com muitos exemplos de jovens bem sucedidos em várias áreas desde tradução, pesquisas, legislação e educação. Muitos deles têm orgulho de suas raízes brasileiras e de serem bilíngues, além de uma nobre ambição de servir para a comunidade brasileira e para as novas gerações que os sucederão. No ensino da língua japonesa para menores, é importante “respeitar o idioma utilizado na educação familiar”, como define um dos princípios básicos da Lei de Promoção do Ensino da Língua Japonesa, citada anteriormente. A sociedade finalmente começou a reconhecer a importância do ensino da língua de herança. Gostaria de aproveitar esta oportunidade para encorajar os pais brasileiros a educar seus filhos usando português, que é a língua que os adultos dominam. Assim, as crianças ganharão como presente dois idiomas, japonês e português.

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