A Câmara de Comércio Brasileira no Japão envia regularmente boletim eletrônico aos associados.
Na edição de outubro, o artigo foi escrito pela professora Chika Takeda, da Universidade de Estudos Estrangeiros de Tokyo. Ela esteve no Brasil recentemente. Na oportunidade visitou locais de rituais com influência da África como Umbanda e Candomblé. O interesse foi porque tem crescido escrito afrodescendentes.
(Artigo)
A minha estadia no Brasil – Coisas que me deixaram grata e algo que me desagradou
Por Chika Takeda
Professora
Universidade de Estudos Estrangeiros de Tokyo
Pela primeira vez em muito tempo, tive a oportunidade de ficar no Brasil por um longo período este ano e passei três meses, de abril a julho, no Rio de Janeiro. Haviam-se passado 16 anos desde a minha última estadia prolongada no Rio, em 2008. Desta vez, tive muitas experiências marcantes, incluindo aquelas que me deixaram muito grata e uma que me desagradou.
O que me deixou mais grata foi a presença dos meus amigos. Enquanto eu estava lá, meus amigos me convidavam sempre para sair e visitar vários lugares. Graças a eles, que são cheios de amor e afeto para me tratar como se fosse da família (o que considero uma atitude tipicamente brasileira), esse período de 90 dias foi tão produtivo, que não houve um dia sem programa. Além do jogo de futebol, que assisti em meio à torcida do meu time favorito (fiquei impressionada com a animação deles), do passeio de carro para a Fazenda de Santa Cruz, da casa de veraneio da família Imperial (um desejo antigo finalmente realizado, e com muita emoção) e visita para um bairro com presença forte da cultura negra (a vitalidade do local me encheu de energia!), meus amigos me levaram a um show de música brasileira (noite maravilhosa!) e muitos outros locais culturais e históricos que são tantos e é impossível citar todos, mas que me proporcionaram muitas experiências significativas. Entre elas, as mais marcantes e valiosas para a minha pesquisa foram a participação de um ritual de Umbanda e a visita a um Quilombo.
Desde que li Ponciá Vicêncio, romance escrito por Conceição Evaristo, fiquei impressionada com a força e profundidade da obra e passei a me interessar pela literatura afro-brasileira. Pode parecer exagero, mas foi no universo literário desse livro marcado pelo dinamismo brasileiro, que senti ter encontrado finalmente algo que procurava havia muito tempo.
Nos últimos anos, escritores afrodescendentes vêm se destacando no Brasil. Tanto é que o mais tradicional prêmio literário do Brasil, o Prêmio Jabuti, foi concedido por três anos consecutivos para autores de origem africana, que foram Itamar Vieira Júnior, em 2020, com Torto Arado, Jefferson Tenório, em 2021, O Avesso da Pele (ambos na categoria romance literário), e Eliana Alves Cruz, em 2022, com A Vestida (na categoria conto). A versão em japonês de Torto Arado foi publicada pela Suiseisha, como um projeto comemorativo do Bicentenário da Independência do Brasil, organizado pela Embaixada do Brasil em Tóquio, no ano passado. Caso tenham interesse, gostaria que lessem essa obra. Durante a minha estadia no Brasil, senti fortemente o aumento de interesse entre a população por pessoas e culturas de origem africana. Reparei também que o assunto era abordado frequentemente na televisão.
As obras literárias podem ser apreciadas apenas por meio de leitura, mas ela pode se tornar uma experiência ainda mais profunda quando o leitor visita pessoalmente a região onde o livro foi escrito ou o local onde o autor nasceu e cresceu ou se passa o enredo. Era exatamente esse o meu objetivo: obter mais conhecimento da cultura afro-brasileira e aprofundar a minha compreensão da literatura através das experiências culturais que só podem ser vividas lá, tais como visitar comunidades afro-brasileiras e participar de rituais religiosos, bem como visitar museus e locais históricos. No entanto, diferentemente dos museus, por exemplo, que posso visitar sozinha, é muito difícil um forasteiro ter acesso a comunidades ou estabelecimentos religiosos e ser aceito. Sinto muito grata a meus amigos que me ajudaram a resolver esse problema.
No caso de Umbanda, um amigo meu, que conhecia o diretor espiritual de um terreiro, me acompanhou para conhecer o local três vezes no total, uma em cada mês. Pude assistir a cerimônias importantes que celebravam o dia de Ogum, que está associado a São Jorge, em abril, o dia de Preto Velho, símbolo da ancestralidade africana, em maio, e o de Exu, uma espécie de mensageiro, que faz a ponte entre o humano e o divino, em junho. Lá fui bem recebida e tive acesso a uma área com visão privilegiada da cerimônia, além da permissão especial para tirar fotos e fazer vídeos (o que é normalmente proibido), desde que fosse apenas para fins acadêmicos e para serem utilizados nas aulas. Tudo isso devo ao meu amigo.
Até então, só tinha ido a rituais de Candomblé. E confesso vergonhosamente que, para mim, o Candomblé era o culto mais representativo do mundo afro-brasileiro, mas descobri que eu estava enganada. Embora várias pessoas tenham me dito que a Umbanda era o culto mais brasileiro, eu não estava totalmente convencida disso. Quando lá fui pessoalmente, porém, percebi que o terreiro de Umbanda era um espaço tipicamente brasileiro, onde se mesclavam várias crenças. No altar, além das estátuas de divindades africanas como Orixás, havia desde Jesus Cristo e outros santos do cristianismo, entidades brasileiras como Malandro divino e Pomba-Gira, e para a minha surpresa, até Buda. O espaço tinha um clima aconchegante, como se fosse reunião regular de uma comunidade de amigos, sem aquela misticidade e solenidade frequentemente associadas às instituições religiosas. As músicas sagradas da Umbanda, chamadas de pontos, também eram uma atração divertida que lembrava a roda de samba. O mais surpreendente, porém, foi o fato de que 90% dos visitantes eram brancos. É claro que não posso me basear apenas nessa experiência para tirar qualquer conclusão, e deve haver outros locais com públicos diferentes, levando em consideração a diversidade da Umbanda. Mas foi suficiente para quebrar a minha ideia em torno da religião afro-brasileira, que eu costumava associar aos elementos africanos que aparecem nos vídeos das cerimônias do Candomblé.
Quilombo é conhecido como a “comunidade de (descendentes de) escravos fugitivos”. As comunidades remanescentes de quilombo também passaram a ser comumente chamadas de quilombo, desde que a Constituição de 1988, que reconheceu os direitos quilombolas à terra. E essas comunidades remanescentes de quilombo são as menos acessíveis para quem não tem bons contatos. No meu caso, quem ajudou a fazer esse contato foi uma amiga que trabalha no Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), que me levou para acompanhar a visita a algumasdessas comunidades situadas na região leste do Estado de São Paulo. O Incra é o órgão responsável pela titulação dos territórios quilombolas. Lá, pudemos conhecer a história marcada por dificuldades do povo quilombola, os desafios enfrentados hoje e a sua cultura. Mais tarde, tive oportunidade de visitar outra comunidade em Salvador e pude comparar esses grupos, o que me ajudou a reconhecer a diversidade dos quilombos. Esses grupos, embora todos sejam chamadas de quilombo, têm perfis diferentes uns dos outros, desde a formação das comunidades, a composição populacional e a cultura. Por exemplo, o quilombo que visitei em Salvador tinha terreiro de Candomblé que desempenhava papel importante e preservava mais a tradição africana, diferentemente de uma em São Paulo, que não tinha terreiro e a tradição católica era mais evidente.
Por fim, vou citar uma coisa que desagradou: a desvalorização do iene. Quando parti para o Brasil, o iene começou a cair atingindo o seu ponto mais baixo quando regressei ao Japão. Por esse motivo, para mim tudo estava caro no Brasil. Por mais que eu reduzisse a porção do meu prato nos restaurantes por quilo no almoço, o preço chegava logo a 1.500 a 2 mil ienes. No Japão, não costumo pagar tanto no almoço. A passagem de metrô no Rio também era mais caro do que no Japão, custando um valor equivalente a 230 ienes. Os meus amigos me aconselhavam para não converter tudo em moeda japonesa, mas era impossível não fazer isso para uma pessoa como eu que ganho em iene. Para a minha infelicidade, assim que voltei ao Japão, o iene começou a se valorizar e está agora no mesmo nível de março. Relembrando o passado, tive uma experiência semelhante em 2008, na ocasião da crise provocada pela quebra do banco Lehman Brothers. Parece que sou muito azarada em relação à taxa de câmbio. No entanto, mesmo descontando isso, os preços no Brasil estão nitidamente mais elevados. Ou devemos considerar isso como mais um sinal do declínio do poder nacional do Japão…