A Câmara de Comércio Brasileira no Japão envia boletim eletrônico mensalmente aos associados com informações de economia.
Na última edição, o artigo foi escrito pelos advogados Jun Makuta e Erica Makiyama, da Tozzini Freire Advogados. Eles destacaram o avanço na legislação brasileira em diferentes aspectos como Código Penal, Lei do Franchising, Lei Geral de Proteção de Dados, etc.
2020, um ano de avanços legislativos importantes e as perspectivas positivas para 2021
Jun Makuta
Erica Makiyama
TozziniFreire Advogados
Impossível sair do lugar comum e não se referir ao ano de 2020 como um ano disruptivo. Mas a atipicidade do ano não paralisou o avanço legislativo rumo à modernização do arcabouço legal e aumento da segurança jurídica para o desenvolvimento de atividades econômicas.
Nota-se que algumas dessas mudanças já haviam sido iniciadas ao final de 2019, quando o Presidente da República sancionou a Lei nº 13.966 (Lei do Franchising), a qual dispõe sobre o sistema de franquia empresarial e revoga a Lei nº 8.955/1994. O texto da nova lei afastou a possibilidade de que esse tipo contratual seja enquadrado como relação de consumo ou de emprego, entrando em vigor a partir de março de 2020.
Ainda em janeiro de 2020, entrou em vigor a Lei nº 13.964/2019, que, além de alterar disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal, trouxe também uma modificação importante para as ações de improbidade administrativa ao permitir, expressamente, a celebração de acordo de não persecução cível em relação às ações regidas pela Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa).
No âmbito contratual, como consequência da pandemia, tornou-se necessária e comum a utilização de assinaturas eletrônicas e digitais. Então, a fim de atender tal demanda, em março de 2020, foi aprovado o Decreto nº 10.278/2020, que equipara a assinatura eletrônica à assinatura física, a partir do momento em que as partes reconhecem a validade de tal modalidade de assinatura.
Houve também um importantíssimo avanço em um setor econômico que é há anos responsável por parte relevante da atividade econômica do Brasil: a Lei do Agro (Lei nº 13.986/2020), que moderniza as bases legais do crédito para o agronegócio, dando maior segurança jurídica a financiadores estrangeiros, que passam a ser expressamente autorizados a tomarem terras rurais em garantia de operações de crédito, dentre outras modernizações significativas.
Já no âmbito do direito societário, também como reflexo da pandemia, em julho de 2020, a MP nº 931/2020 foi convertida na Lei nº 14.030/2020, estendendo o prazo estatutário para aprovação das contas do ano fiscal prévio e a possibilidade de realização de reuniões e assembleias de sócios, acionistas e associados de forma semipresencial ou integralmente digital, com regras análogas às presenciais.
Entretanto, uma das mudanças legislativas mais discutidas no meio empresarial em 2020 foi a Lei Geral de Proteção de Dados, seja por suas idas e vindas acerca do início de sua vigência, seja pela sua repercussão nacional e a necessidade de rápida adaptação de todas as entidades do país.
A LGPD, que entrou em vigor a partir de 18 de setembro de 2020, dispõe sobre o tratamento de dados pessoais nos setores público e privado e assegura uma série de direitos e garantias aos titulares de dados pessoais, incluindo o direito à informação, direito de acesso, direito de retificação, direito de eliminação dos dados, direito de portabilidade, direito de revisão de decisões automatizadas e direito de oposição.
De acordo com essa lei, os agentes de tratamento de dados devem adotar medidas de segurança de acordo com os padrões estabelecidos pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) para evitar o vazamento de dados. Já as empresas devem tomar uma série de medidas visando a adequação à LGPD, tendo em vista que a nova lei representa uma mudança de paradigma de privacidade no Brasil e exige toda uma transformação organizacional.
Outra relevante mudança foi a aprovação do novo Marco Legal do Saneamento. A Lei nº 14.026/2020 visa promover a abertura ao setor privado através de contratos de concessão, havendo concorrência entre a iniciativa privada e a estatal, através de licitações, PPP, e subconcessões de estatais para o setor privado, com a definição de regras de transição, licitação de blocos de referência ou microrregiões para organizar a demanda e mitigar a pulverização dos serviços, além da definição de metas de universalização do serviço de saneamento básico até o ano de 2033.
O marco traz sobretudo uma maior segurança jurídica, com o fortalecimento da Agência Nacional de Águas (ANA), a qual passa a editar normas de referência para os demais órgãos reguladores estaduais e municipais, trazendo incentivo à adesão de prefeituras com apoio da União e acesso a crédito. Vale mencionar também que o marco incentiva o uso da arbitragem como método de solução de conflitos, com resolução ágil e especializada dos conflitos inerentes aos contratos de concessão.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em conjunto com o governo estadual do Rio de Janeiro, inclusive já lançou o edital da concorrência internacional para concessão da prestação de serviço no Estado do Rio de Janeiro, prevista para ocorrer no final de abril de 2021.
No apagar das luzes de 2020, foi aprovada também a nova Lei de Recuperação de Empresas e Falências (Lei nº 14.112/2020), que visa atribuir maior agilidade aos processos de recuperação judicial e alinhar o Brasil às melhores práticas internacionais, ajudando o país a retomar atividade econômica no cenário pós-pandemia.
A lei aumenta a segurança jurídica ao abordar temas específicos e definir conceitos relevantes, traz a possibilidade de uma empresa negociar com credores antes de entrar em recuperação judicial e oferecer garantias adicionais para obter financiamentos, faculta a credores a possibilidade de propor o plano de recuperação judicial (o que antes era exclusivo aos devedores), além de desburocratizar o procedimento da recuperação.
Importante notar ainda que a nova redação sancionada será aplicada de imediato aos processos pendentes – com exceção de alguns dispositivos, como a possibilidade de apresentação de plano alternativo pelos credores.
Contudo, a evolução legislativa não pode parar e o país precisa aproveitar que o mundo ainda se encontra em estado de torpor e tenta reencontrar o caminho do crescimento para se preparar e se posicionar como destinação preferida parte importante dos investimentos privados estrangeiros. Nesse sentido, as perspectivas para o início do ano de 2021 são positivas.
Uma das medidas mais aguardadas para o curto prazo é a nova Lei da Licitação, aprovada pelo Senado Federal em 10 de dezembro de 2020 e que revoga a Lei 8.666/93, Lei do Pregão e a Lei do Regime Diferenciado de Contratações Públicas. O principal objetivo dessa nova lei é implantar um novo regime de contratação pública, adotando a contratação eletrônica para todas as modalidades de licitação, além de trazer outras mudanças importantes como a criação do Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP). A lei deve seguir agora para a sanção presidencial.
Também aprovado pelo Senado Federal na mesma data, o Marco Regulatório do Gásmoderniza a legislação sobre a exploração do serviço de transporte de gás natural e de construção de gasodutos, autorizando a participação privada em toda cadeia do setor. A lei objetiva a simplificação e segurança jurídica para os investidores e conta com mecanismos de fomento à concorrência. Nesse sentido, há expectativa de diminuição do preço do gás natural brasileiro, duplicação da oferta interna de gás natural nos próximos 10 anos (originário principalmente do pré-sal), além do barateamento do custo do insumo.
Em 2021, espera-se também a aprovação da tão aguardada reforma tributária, que tem como objetivo tornar o sistema tributário mais simples e transparente, reduzindo a burocracia das cobranças e, assim, estimulando a economia do país. A reforma propõe a extinção de vários impostos, tais como PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS (os quais serão unificados pelo Imposto sobre Bens e Serviços – IBS), com a transição ocorrendo ao longo de vários anos, começando com a redução de alíquotas até culminar na extinção propriamente dita de tais impostos.
No setor de energia, aguarda-se a aprovação do Marco Legal de Geração Distribuídae a implementação das alterações nas regras do mercado livre. O primeiro, baseado no Projeto de Lei (PL) nº 5829/19, está tramitando em regime de urgência e cria o novo marco regulatório para a geração distribuída, incentivando assim o uso na energia solar. A expectativa é que esse projeto vá para aprovação da Câmara dos Deputados no início deste ano. Já as alterações nas regras do mercado livre de energia seguem o cronograma estabelecido nas Portarias MME nº 514/2018 e 465/2019. A partir de 1º de janeiro de 2021, os consumidores com carga igual ou superior a 1.500Kw, atendidos em qualquer tensão, poderão optar pela compra de energia elétrica a qualquer concessionário, permissionário ou autorizado de energia elétrica.
Já o PL nº 2646/2020, conhecido como Marco Legal para o Investimento em Infraestrutura, tem como principal objetivo criar as debêntures de infraestrutura, permitindo inclusive a emissão de títulos em dólar, de forma a atrair mais investimentos estrangeiros no país. O PL também cria incentivos à emissão de títulos por companhias com boas práticas ambientais, sociais e de governança (ESG), além de criar benefícios fiscais ao emissor desses títulos.
Importante mencionar também que o Congresso Nacional aprovou em 14 de dezembro de 2020 o PL nº 146/19, que criará o Marco Legal das Startups, com o objetivo de aumentar investimentos, inclusive internacionais, com maior segurança jurídica quanto ao regime de limitação de responsabilidades. Ademais, a lei deve regular o regime tributário das opções de compra (stock options), além de estabelecer prioridade na análise de patentes, criar modalidade especial de concorrência para contratação pelo Poder Público, entre outros. O projeto segue agora para análise do Senado Federal.
Por fim, no cenário internacional, a Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI) publicou seu novo regulamento de arbitragem, o qual entrará em vigor a partir desse mês, trazendo expressivas mudanças como a autorização de audiência virtual e comunicações por meio eletrônico.
Desse modo, com a aprovação de importantes projetos de lei, espera-se que em 2021 o país se torne mais atrativo e receptivo para investimentos privados nacionais e internacionais, criando um ambiente com oportunidades de negócio em diversos setores que, indubitavelmente, serão determinantes para a sua rápida recuperação econômica.