A CCBJ envia regularmente boletim eletrônico aos associados. Na edição de julho, o artigo foi escrito pelo pesquisador-chefe Massato Asso, da Cachaça Council Japan. Ele escreveu sobre a gastronomia brasileira.
Natureza e diversidade étnica enriquece a gastronomia brasileira
Por Masato Asso
Pesquisador-chefe da Cachaça Council Japan
O Brasil é um dos países com cultura gastronômica mais fascinante do mundo. Hoje, a gastronomia é um dos motivos de orgulho nacional para os brasileiros, além de ser um setor que contribui para geração de novos empregos, como no caso de turismo gastronômico, que tem crescido em diversas regiões do país.
No entanto, não é exagero dizer que os brasileiros só começaram a reconhecer e valorizar a culinária nacional a partir do final do século 20 e início do século 21, para vinculá-la a desenvolver uma nova indústria. Até 25 a 30 anos atrás, era praticamente impensável que as comidas caipiras ou caiçaras fossem servidas em jantares oficiais oferecidos a convidados internacionais. E os vinhos escolhidos para os brindes nessas ocasiões eram quase sempre importados. Isso se devia, em grande parte, ao fato de que muitos brasileiros ainda não reconheciam a riqueza de sua própria cultura gastronômica, além de sentir certa vergonha de apresentar aos estrangeiros a simplicidade e rusticidade das comidas locais.
Mesmo Alex Atala, renomado chef que abriu o restaurante D.O.M., em 1999 em São Paulo, após uma temporada na Europa, e foi um dos responsáveis que consolidaram o novo conceito da gastronomia brasileira, admite que tinha esse tipo de pensamento antes de viver no exterior. Na Europa, que reúne chefs de cozinha do mundo inteiro, ele passou a se confrontar com questões de identidade como um profissional dessa área. Foi então que Atala percebeu o que lhe faltava como um chef de cozinha e decidiu retornar ao Brasil. De volta à terra natal, ao encarar com a culinária e a cultura alimentar de seu país, compreendeu que a gastronomia única e diversa do Brasil é o fruto de vários elementos que caracterizam o país, como natureza abundante, miscigenação racial e multiculturalidade. E ele entendeu que essa diversidade é a essência e o verdadeiro alicerce da gastronomia brasileira.
Enquanto que os chefs como Mara Salles, natural de Penápolis, no interior de São Paulo, o falecido Paulo Martins, de Belém do Pará, César Santos, do Recife, Pernambuco e Alex Atala, que perceberam (ou sempre reconheceram) o valor da cultura alimentar do Brasil, foram promovendo a valorização da “culinária brasileira”, desenvolvendo o novo conceito da gastronomia nacional, os brasileiros também passaram a “redescobrir” as comidas que sempre estiveram presentes em seu dia a dia mas não eram valorizadas, reconhecendo que esses alimentos, nascidos e desenvolvidos dentro da história, cultura e natureza únicas do Brasil, são uma herança gastronômica da qual eles devem se orgulhar.
No Brasil antes da década de 1990, ninguém poderia imaginar que um restaurante sofisticado em uma megalópole como São Paulo servisse um prato refinado com “içá”, uma espécie de formiga consumida como ingrediente na culinária alimentar indígena e na comida caipira.
Por que então a cultura alimentar do Brasil é tão rica e merecedora de um orgulho nacional? A resposta está na diversidade incomparável das etnias e do meio ambiente natural que compõem o país. Mesmo hoje, o Brasil ainda abriga muitos povos indígenas e continua recebendo imigrantes de diversas partes do mundo, fazendo com que cada região desenvolva sua própria cultura local. A diversidade da natureza, que possui seis tipos de biomas, também contribui para enriquecer ainda mais esse mosaico cultural. O açaí, que hoje tem grande procura no mercado global, é o fruto de uma espécie de palmeira que nasce apenas na região da Amazônia e que era consumido pelos povos indígenas. Já a pêra Hosui, cultivada por produtores nipo-brasileiros na região de São Joaquim, em Santa Catarina, passou a ser utilizada como ingrediente de um licor que tem feito sucesso em restaurantes e bares sofisticados de grandes cidades como São Paulo.
Outra característica essencial da gastronomia brasileira que merece ser citada é que ela está em constante evolução. No início dos anos 2000, muitos chefs começaram a embarcar em uma verdadeira viagem de redescoberta dos ingredientes e tradições alimentares únicos espalhadas por todo o Brasil (assim como os bandeirantes em busca de ouro que desbravaram o interior do país).
Foi exatamente nessa época, mais precisamente em 2002, em que foi registrada a primeira Indicação Geográfica (IG) no país: o Vale dos Vinhedos para vinhos, no Rio Grande do Sul.
Conforme a Lei da Propriedade Industrial (LPI), no Brasil, existem duas modalidades de Indicação Geográfica (IG). A Indicação de Procedência (IP) é o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território que se tornou conhecido como centro da coleta, produção, fabricação de um produto ou prestação de determinado serviço. Já a Denominação de Origem (DO) refere-se a um nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que designe produto ou serviço cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou essencialmente ao ambiente geográfico, incluindo fatores naturais e humanos.
Os requisitos de registro não se restringem a produtos agrícolas ou à cultura alimentar, abrangendo também artesanatos, serviços e outras categorias. No entanto, na prática, grande maioria das indicações geográficas é de produtos agrícolas e gêneros alimentícios. Até o ano de 2010, o número de registros não chegava a 10. Em 2015 subiu 45, em 2020, para 75, e vem crescendo constantemente. Em julho de 2025, o total de registros de IG chegou a 137, sendo 105 registros de Indicação de Procedência e 31 de Denominação de Origem.
Os produtores de todo o país passaram a buscar mais seriamente a certificação de Indicação Geográfica não apenas pela satisfação de ter seus produtos reconhecidos, mas também pelo valor agregado gerado pela IG e pelos benefícios econômicos que resultam desse reconhecimento.
O exemplo mais representativo disso é o queijo artesanal. A região do Serro, em Minas Gerais, foi a primeira a obter a Indicação Geográfica para queijo artesanal em 2011, seguida pela região da Canastra em 2012 — ambas reconhecidas mundialmente hoje. Durante a COP30, que será sediada em novembro deste ano, em Belém, no Pará, tudo indica que será servido o famoso queijo de búfala produzido na Ilha de Marajó, que conquistou a IG em 2021, para os chefes de estado saborearem.
O aumento no número de registros de Indicações Geográficas contribui também para a revitalização da economia regional, gerando mais empregos, por exemplo. Por esse motivo, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) vem atuando de forma ativa para ajudar os produtores obterem a IG. E essa iniciativa tem surtido efeitos.
Cada região do Brasil tem cultura gastronômica rica desenvolvida pela história e tradição local, que tem ganhado cada vez mais reconhecimento. Além disso, em meio a essa onda de valorização, a gastronomia hoje representa uma esperança para construir um futuro melhor no qual a população de todo o país possa ter uma vida mais digna e feliz.