A CCBJ envia boletim eletrônico regularmente aos associados. Na edição de março o artigo foi escrito por Minako Yagi, coordenadora da Banda Mandacarinho. Ela faz um balanço da divulgação da música brasileira no Japão, que tem como uma das importantes contribuições a cantora Lisa Ono.
Música brasileira no Japão
Minako Yagi, coordenadora da Banda Mandacarinho
Quando recebo visita de amigos brasileiros no Japão, tem uma coisa que acontece frequentemente em cafés e estabelecimentos comerciais. Eles se surpreendem ao ouvir música brasileira sendo tocada como fundo musical nesses locais. Eles até comentam que tem mais música brasileira no Japão do que no Brasil! Por que será que os japoneses gostam tanto de música brasileira?
Quando a música brasileira chegou ao Japão, imagino que na maioria das vezes ela vinha através dos EUA, assim como o caso da música “Mas que Nada”, interpretada por Sérgio Mendes, ou “Garota de Ipanema”, gravada por Ashtrud Gilberto no álbum Getz/Gilberto.
Muitos grandes nomes do jazz, entre eles, Sadao Watanabe, também se apaixonaram pelos ritmos brasileiros e viajaram para o Brasil para gravar discos.
E a música popular japonesa já rendeu diversos hits inspirados no samba, como Tentomushi no Samba e Matsuken Samba (embora os ritmos dessas músicas não têm praticamente nada de samba).
Podemos até afirmar que, sem más intenções, claro, os japoneses passaram a gostar da música brasileira mais pela imagem alegre, no caso de samba, ou sofisticada e relaxante, no caso de Bossa Nova, do que pelas características musicais.
E a saudade evocada pelas músicas brasileiras é outro fator com o qual os japoneses se identificaram muito.
Mas quem contribuiu mais para a popularização da música brasileira no Japão é, sem dúvida, a cantora Lisa Ono.
Quem estava no Japão no final da década de 80 deve lembrar dela em comercial de TV, cantando e tocando violão. Imagino que muitos devem ter se impressionado com a forma natural dela de soltar a voz, muito contrastante das cantoras populares jovens daquela época que forçavam muito a garganta, e com o estilo de tocar violão completamente diferente do que o público japonês conhecia até então.
A Bossa Nova, até então, costumava chegar ao público japonês através dos Estados Unidos. Lisa, por sua vez, parecia trazer as músicas desse estilo diretamente do Brasil. Em outras palavras, ela nos apresentou “Garota de Ipanema” e não “Girl from Ipanema”.
Ela nasceu no Brasil numa época em que seu pai mantinha uma casa noturna em São Paulo. De volta ao Japão, ele abriu o restaurante Saci-Pererê, em Yotsuya, Tóquio (o único remanescente até hoje entre várias casas de show de música brasileira que a capital japonesa teve desde então, entre elas Praça Onze, Corcovado, Acarajé, etc.). Foi nessa casa que conheci Paulo Cesar Gomes, ou Paulinho, que foi uma figura importantíssima na história da música brasileira no Japão.
Ele foi um pianista extraordinário. Tanto que o pianista norte-americano Herbie Hancock, ao ouvir a apresentação do brasileiro, disse a ele: “me dê sua mão esquerda!”. Nascido em Minas Gerais, Paulinho cresceu em São Paulo e viveu mais de 20 anos no Japão, atuando como integrante das bandas de apoio dos artistas do J-pop, tocando em hotéis e acompanhando Lisa Ono nas gravações e bandas brasileiras como Misaswing. Ele fazia muito sucesso como músico.
No entanto, na primavera de 2011, Paulinho foi diagnosticado com linfoma maligno e começou a lutar contra a doença. Ele foi submetido à quimioterapia, mas logo teve uma recaída. Paulinho até chamou sua irmã do Brasil para fazer transplante de medula óssea, mas morreu na primavera de 2012.
Pouco antes de falecer, ele passava maior parte do dia dormindo. Num desses dias, eu estava segurando a mão de Paulinho, quando ele acordou de repente.
Com sorriso no rosto, ele soltou a minha mão, esticou o braço para tocar a minha franja e disse: “Mantenha aquela banda para sempre. Escreva muitas músicas boas. Bons arranjos também. Continue assim para sempre”. Terminando a frase, pegou novamente a minha mão e a beijou.
Segurava o choro enquanto estava no quarto dele, mas assim que saí de lá, comecei a chorar, tomando cuidado para não soltar a voz. E chorei tanto que mal conseguia ficar de pé.
A banda que Paulinho citou é a Banda Mandacarinho, criada por mim e ele, em novembro de 2011. Trata-se de uma big band, de música brasileira, formada por 17 integrantes, entre eles, japoneses e estrangeiros oriundos do Brasil, EUA, Cuba,
Canadá e Austrália.
O repertório da banda abrange obras dos artistas da MPB como Milton Nascimento, Marcos Valle, Djavan, choros de Pixinguinha e Bossa Nova de Tom Jobim. Entre esses compositores, quem tem maior número de músicas tocadas por nós é Ivan Lins. O nosso repertório com as obras dele já daria para gravar mais de dois álbuns completos. Acredito que somos a única big band do mundo que toca tanta música de Ivan Lins.
Como vocês sabem, ele compôs tantas músicas lindas. Vocês devem imaginar que as big bands tocam som muito alto. Mas o nosso grupo sabe tocar pianíssimo. Somos uma banda que sabe tocar música com uma suavidade, no estilo semelhante ao de Bossa Nova, como alguém contando histórias.
No segundo álbum Luz Brasileira, o nosso ídolo Ivan Lins emprestou sua voz para gravar uma canção. Sempre quis convidá-lo um dia para trocarmos juntos no show. Para realizar este sonho, acho que já está chegando a hora de começar a agir e correr atrás de patrocínio, já que ele completa 80 anos neste ano.
A música brasileira tem uma magia que toca profundamente o coração e mexe com a gente. Sou uma dessas pessoas encantadas com essa magia da música brasileira, mesmo sendo japonesa.
Neste ano celebramos o 130º aniversário de amizade Brasil-Japão. Com o legado que Paulinho deixou no meu coração, continuarei a apresentar muitas músicas maravilhosas do Brasil.