A CCBJ envia regularmente boletim eletrônico aos associados. Na edição de novembro, o artigo foi escrito pela voluntária da Jica, Junko Ogasawara.
Ela relata a experiência na comunidade Nikkei no Brasil. Quando morou no Brasil, ela ensinou a culinária japonesa.
Mogi e Belém: relato de uma voluntária da JICA que passou duas temporadas no Brasil
Por Junko Ogasawara
Voluntária da JICA
Por meio da JICA (Agência de Cooperação Internacional do Japão), eu passei duas temporadas no Brasil. Entre julho de 2016 e junho de 2018, atuei como voluntária para comunidades nikkei em Mogi das Cruzes, no Estado de São Paulo. Mais tarde, entre setembro de 2022 e agosto de 2024, fiquei em Belém, do Pará, para ajudar a divulgar a culinária japonesa como voluntária sênior de cooperação internacional para comunidades nikkei.
O destino da minha primeira missão como voluntária no Brasil, Mogi das Cruzes é uma cidade paulistana com cerca de 450 mil habitantes situada a 50 km a leste da capital do estado, a 780 metros de altitude, com clima moderado, onde vivi dois anos agradáveis. Devido a grande número de moradores de origem japonesa, era possível adquirir ingredientes de comidas nipônicas não apenas nas lojas especializadas, mas também nos supermercados voltados para comunidade japonesa. Com esses produtos e outros encontrados nas feiras, onde eram comercializadas hortaliças e frutas bonitas cultivadas pelos agricultores nikkeis, preparava vários tipos de pratos.
Realizamos workshops para divulgação de culinária japonesa em diversas colônias japonesas para clubes de mulheres de diversas entidades. Grande maioria do público era formado por descendentes de japoneses e as aulas eram ministradas em japonês. Eles sabiam falar japonês, mas não sabiam ler quase nada nem escrever. Por isso, com ajuda de uma professora nikkei de português, traduzimos no meu apartamento receitas de 130 pratos, incluindo doces, durante dois anos. Ela também gostava de cozinhar e sempre carregava livros de receita em português. Quando tivemos dificuldades em traduzir palavras para certos cortes ou técnicas específicas, cortávamos ou cozinhávamos juntas para encontrar expressões apropriadas, o que ajudou a enriquecer os workshops.
No início, como eu não sabia exatamente qual era a imagem da comida japonesa entre os nikkeis, pensei em mostrar nos eventos como se prepara uma refeição típica, constituída por uma sopa e três pratos. Mas algo me dizia que essa ideia não estava funcionando muito bem. Então, resolvi participar de um clube de mulheres e ajudar nos eventos. Através das conversas com as integrantes, fui aprofundando o meu conhecimento da comunidade nikkei. Durante dois anos em que atuei em Mogi, foram realizados mais de 140 workshops. Além disso, através da JICA Brasil, também participei de mais de 30 workshops para comunidades japonesas em outros estados, o que me proporcionou experiências valiosas.
Em Mozi, conheci três professoras jovens de língua japonesa, que haviam ingressado na JICA no mesmo ano. Tive oportunidades de interagir com os alunos delas para dar aula de “educação alimentar”, preparando juntos a comida japonesa para ensinar inclusive como montar os pratos, segurar hashi e comer de forma adequada. Fui inclusive a um acampamento, no qual tive o prazer de preparar e comer hayashi rice (arroz servido com carne e cebola cozidas com molho demi-glace) junto com as crianças.
Em Mogi, participei de um projeto para ajudar um criador nikkei de pirarucu em Ibiúna a desenvolver novas receitas desse peixe, contando com a colaboração do artista japonês Sakana-kun, que veio do Japão. Uma equipe de TV japonesa cobriu o projeto e a reportagem foi ao ar mais tarde. Através dessa experiência, lembrei de vários outros peixes que conheci no Brasil, inclusive do primeiro pirarucu que conheci na Amazônia havia 30 anos, e passei a sonhar com a ideia de criar receitas novas usando esses peixes. Por isso, resolvi me inscrever na vaga de voluntário em Belém (minha idade já estava no limite imposto para candidatos) e fui aprovada. Em janeiro de 2020, voltei ao Brasil para iniciar a minha segunda temporada como voluntária. Em março, em meio aos preparativos das nossas atividades, os colaboradores da JICA do mundo inteiro foram todos obrigados a voltar ao Japão temporariamente devido à pandemia do Covid19, e fiquei aqui por dois anos e meio. Graças ao critério que desconsiderou esse tempo de espera para o cálculo da idade limite dos voluntários, consegui retornar a Belém em agosto de 2022, já com mais de 73 anos.
A capital do Pará, Belém, é uma metrópole com cerca de 1,5 milhão de habitantes, localizada a 160km ao sul da linha do equador. A tarefa encomendada pela Associação Pan-Amazônia Nipo-Brasileira era a mesma de Mogi, ou seja, divulgação da comida japonesa, mas percebi várias diferenças ao longo do tempo por meio dos workshops. Lá, 80% dos alunos eram brasileiros sem ascendência japonesa, mas que tinham grande interesse pela cultura nipônica. Como não sou fluente em português, foi fundamental a presença de uma nikkei com japonês impecável (era uma ótima cozinheira também) que me ajudou como intérprete durante dois anos. Diferentemente de Mogi, os clubes de mulheres das associações japonesas em Belém não faziam atividades em conjunto, o que resultou em número menor de workshops realizados, que foi de 40. Mas tive oportunidade de ministrar mais 20 para comunidades japonesas em ouras regiões, que eram diferentes das de Belém e de Mogi, o que me possibilitou adquirir novas experiências. Foi uma pena que os trabalhos com peixes não renderam tantos resultados como esperava.
Tanto em Mogi quanto em Belém, percebi alguns problemas comuns como envelhecimento dos associados e falta de jovens interessados. Uma solução para atraí-los seria mostrar comidas que aparecem nos anime e mangá, e promover interação deles com os associados para que eles sejam futuros líderes da comunidade. Sei que trata-se de uma ideia que não deve se vingar de um dia para outro. Mas seis meses antes de eu voltar ao Japão, houve um avanço em Belém: foi criado o grupo de jovens na associação japonesa, com integrantes na faixa dos 20 anos, que já vinham colaborando com diversos eventos da entidade. Eles passaram a organizaram festas de forma diferente, das quais fiz parte ministrando workshops para preparar onigiri e makizushi, na esperança de que isso ajudasse a transmissão da cultura japonesa.
Embora não saiba para onde caminha a comunidade nikkei do Brasil, que está prestes a completar 120 anos, pretendo continuar colaborando com ela dentro das minhas possibilidades, aproveitando das experiências adquiridas nas duas temporadas que vivi no Brasil.